sexta-feira, 22 de junho de 2012

50 quadras à laia de São João






Já não moro onde me viste
No São João há um ano:
- Moro na rua das Máguas
Esquina do desengano.

O coração mais os olhos
São sempre amantes leais:
- Quando o coração tem penas
Logo os olhos dão sinais.

Se foras minha, só minha,
Prendera-te ao peito meu,
Como a árvore presa ao tronco,
Como a estrela presa ao céu.

Menina não seja vária,
Ponha o seu amor só num:
- Tantos há-de procurar
Que há-de ficar sem nenhum.

Laranja na laranjeira,
Dá as voltas que ela quer.
É como o rapaz solteiro
Enquanto não tem mulher.

O alecrim na valeta,
Dá-lhe o vento, faz encosto:
- Se não querias que eu te amasse
Não nascesses ao meu gosto.

Chamaste-me a tua vida
E eu tua alma quero ser:
- A vida acaba co'a morte
E a alma, não pode morrer.

Chamas a Nosso Senhor
Que morreu por toda a gente;
Só a mim não tens amor
Que morro por ti somente.

Sino - coração da Aldeia;
Coração - sino da gente;
- Um a sentir quando bate,
Outro a bater quando sente.

Medir coisas infinitas
Vai além da natureza:
- Com teu palminho de cara
Mede-se toda a beleza.




Eu só gostava de ter
O poder de adivinhar
Que estão teus olhos a ver
Quando te vejo a pensar.

Ó fonte dos musgos verdes,
Quem me dera a tua sina:
- És velhinha e nunca perdes
O teu palrar de menina.

Mal de Amor, raro se perde;
É como a nódoa da amora:
- Só com outra amora verde
A nódoa se vai embora.

Pus-te o meu retrato um dia
Na medalha do cordão,
Para ver se assim sentia
Bater o teu coração.

Contas-te um segredo ao rio;
O rio levou-o ao mar...
Não tarda que a terra o saiba
Da nuvem que anda no ar.

Por andar atrás de ti
Rompi a sola das botas.
Agora ris-te de mim
Porque trago as botas rotas.

Olhos pretos bonitinhos,
Ái! Mal haja quem os ama!
Com outros passais o tempo,
Comigo tendes a fama.

Eu amante, tu amante,
Qual de nós será mais firme?
Eu, como o Sol a buscar-te
Ou tu como sombra a fugir-me?

Amores de ao pé da porta,
A amá-los, quem não se arrisca?
Inda que a boca não fale
A vista sempre petisca...

Eu hei-de amar uma pedra,
Deixar o teu coração.
Uma pedra não me deixa,
Deixas-me tu sem razão!




Enjeitaste-me por pobre
E eu, a ti, por um judeu.
Olha a diferença que há
Do teu sangue para o meu.

Eu fui o que disse ao Sol
Que não tornasse a nascer:
- À vista desses teus olhos
Que vem o Sol cá fazer?

Já tive, agora não tenho.
Já fiz, agora não faço.
Fazer namoro a garotos
Entendo que é galinhaço.

Não venhas rondar à porta
Nem de noite, nem de dia:
- Eu não sou santa nem santo
A quem faças romaria.

Janela de pau de pinho,
De pau de pinho janela...
Quem me dera estar deitado
Nos braços de quem está nela.

Os homens são como o lobo,
Só lhes minga ter o rabo...
Para enganar as donzelas
Têm falinhas do diabo.

Tantas mulheres pelo mundo
E o inferno sem ninguém.
Se morressem parte delas
Dava às almas um vintém.

Não te encostes à parede
Que a parede larga pó:
Encosta-te ao meu peitinho
Sou solteira, durmo só.

A água do rio vai turva.
E eu, que não fui que a turvei,
Agora, por meus pecados,
Água turva beberei.

O papel com que te escrevo
Sai-me da palma da mão,
A tinta sai-me dos olhos,
A pena do coração.




Os meus olhos, de chorar
Fizeram covas no chão.
Já se não paga o Amor
Senão com ingratidão.

Dei um ai entre dois montes,
Responderam as montanhas.
Ái de mim que já não posso
Sofrer ausências tamanhas.

Eu quero bem à desgraça
Que sempre me acompanhou.
Tenho rancor à ventura
Que no melhor me deixou.

Pus-me a chorar saudades
Ao pé de uma fonte fria:
- Mais choravam os meus olhos
Que água da fonte corria.

Ó Amor paga a quem deves,
Não queiras ficar devendo...
Quem não paga neste mundo
Paga, no outro, em morrendo.

Os pombinhos quando nascem
Logo a mãe lhes dá beijinhos.
Ó amor, façamos nós
Como fazem os pombinhos.

A carta que me mandaste
Abri-a com muito jeito:
- Trazia o teu coração,
Caíu-me dentro do peito.

Todos os dias que passam
Sem ver a minha querida,
Esses não entram na conta
Nos dias da minha vida.

Creio em ti. Serás leal,
Não porque te ande guardando:
Com toda a "guarda-fiscal"
Não se evita o contrabando.

O meu amor ama a duas,
Eu não me meto na conta.
Podes amar a quem queiras
Que não me fazes afronta.




Toda a moça que é bonita
Não devia de nascer...
É como a pêra madura:
- Todos a querem comer.

Foste dizer mal de mim
A quem tudo me contou.
- Ficaram-te conhecendo
E eu fiquei sendo quem sou.

Abre os olhos! Deixa ver,
Debaixo dessas pestanas,
Que eu quero reconhecer
As luzes com que me enganas.

Num tronco seco e mirrado
Escrevi o nome teu.
Por escrever o teu nome
O troco reverdeceu.

Atirei com o limão verde,
À tua porta parou.
Quando o limão te quer bem,
Que fará quem o lançou.

A rosa tem vinte folhas,
O cravo tem vinte e uma.
Vai a rosa, anda em demandas
Porque o cravo tem mais uma.

Ó rosa, nunca consintas
Que o cravo te ponha a mão,
Porque a rosa enxovalhada
Já não tem aceitação.

Eu já não tenho alegria,
Vivo no mundo sem gosto:
- Nasce o Sol, torna a nascer,
Para mim sempre é sol-posto!

Deus, povoando este desterro,
Tal como a Bíblia relata,
Depois do Homem, que é o erro,
Fez a mulher, que é a errata!

Cantigas leva-as o vento...
Mas não há vento capaz
De levar minhas cantigas
Para o sítio onde tu estás!

Recolha Literária - Cancioneiro Português

( Diz o Tripeiro: xiça, pôssa... tanto verso! "cantal" é dia da romaria e um gajo p'ra aqui a ler versos!... )

 TENHAM TODOS o melhor SÃO JOÃO possível !!!

THE END

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